O
Brasil perdeu, há dez anos, uma das mais influentes mulheres no setor das
comunicações e da informação: Dona Anna Khoury. Tenaz, combativa, resoluta,
Anna Khoury pode ser considerada a equivalente feminina de Roquete Pinto e
símbolo da luta de emancipação do universo feminino. (A história da
radiodifusão no Brasil pode-se dizer, está dividida em duas etapas: antes e
depois de Anna Khoury). Carioca, era casada com Michel Khoury, um notável
criador de peças em metais preciosos. Depois de ter desenvolvido seu papel de
esposa e mãe, decidiu realizar o sonho que alimentava desde a infância: ser
dona de uma emissora de Rádio. Logo encontrou o primeiro obstáculo, pois a
miopia dos representantes brasileiros na convenção de Atlanta, EUA, onde foram
distribuídos os canais exclusivos de rádio na América Latina, causou a
carência destes canais no Brasil. A freqüência determinada por certo País,
além da potência de 100 Kw que, teoricamente, cobria o inteiro continente,
não podia ser usada por outra nação. Anna Khoury não desistiu; solicitou e
obteve do Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, a permissão para
entabular, em nome do Governo Brasileiro, negociações para a cessão de bandas
de freqüência, junto a alguns países da América Latina. Naquele tempo de
pós-guerra, transmissores de rádio eram caros, importados e de difícil
aquisição. A Argentina, a Bolívia e o Paraguai não tinham ainda conseguido
instalar as emissoras a que tinham direito. Dona Anna Khoury, vislumbrando a
possibilidade de compartilhar as freqüências destes países, mediante a
redução de potência de transmissão para 20 Kw que permitiria a utilização
sem interferências, conseguiu um acordo com aquelas nações. Uma emissora
transmitindo em La Paz com 20 Kw, por exemplo, consegue cobrir toda a extensão
da Bolívia, satisfazendo as necessidades de comunicação daquele País. A
mesma freqüência de 550 Kc utilizada no Rio de Janeiro, cobre todo o Estado do
Rio e grandes extensões dos estados de Minas Gerais e São Paulo, não chegando
a ameaçar qualquer interferência na emissora boliviana de mesma freqüência.
Dessa forma foi possível assinar um acordo bi-lateral entre o Brasil e a
Bolívia, para a utilização de sua freqüência exclusiva. Acordos similares
foram concluídos com o Paraguai e a Argentina. Em compensação D. Anna Khoury
forneceu os equipamentos de transmissão para as respectivas nações.
Para alcançar seu objetivo, D. Anna Khoury percorreu o continente, conseguindo trazer ao Brasil três canais e, como prêmio, recebeu o direito de possuir sua própria emissora que, para coroar seu sonho dourado, denominou "Rádio Eldorado", emissora que se tornou conhecidíssima. Mas as raposas estavam de atalaia. Obrigada a se associar com outro, Anna Khoury foi vítima dos jogos de poder do sócio, tanto que teve de ceder a emissora, mantendo, porém, a propriedade do nome Eldorado.
Quem nasceu pioneira, todavia, não pode se render a uma derrota. Aceitando o desafio, fundou, em janeiro de 1955, a Rádio Imprensa FM, a primeira emissora em modulação de freqüência do País e, como sentia que sua tarefa era a de inovar, criou o serviço de música ambiente, que permanece no ar 24 horas, funcionando por assinatura, como canal privativo irradiado simultaneamente na mesma banda da emissora principal. Aí nasceu o primeiro serviço de tele-difusão por assinatura: os receptores eram locados a clientes que ouviam música no ambiente de trabalho. A Rádio Imprensa FM tem o mérito, também, de ter realizado o primeiro transmissor construído no Brasil, devido às dificuldades de importação. E a própria emissora, com o comando de sua Presidente, teve de iniciar a primeira indústria de rádios receptores de FM. Com programação exclusivamente musical, sem qualquer locução, a Rádio Imprensa era, até 1976, a única emissora em FM no ar no Brasil. Somente 20 anos depois de sua inauguração, com o boom das FMs, surgiram as outras emissoras.
Anna Khoury continuará vivendo nos corações de quem teve a sorte de conhecê-la e admirá-la. Anna Khoury, a pioneira, a mulher que soube fazer de um sonho dourado, um Eldorado sonho.