O Quarto do Filho, filme mais recente do diretor italiano Nanni Moretti e
Palma de Ouro na última edição de Cannes, tem levado os espectadores às
lágrimas. O novo trabalho de Moretti, mostrado no Festival de Nova York, foge
ao estilo característico do diretor, que é conhecido por referências
autobiográficas na maioria dos seus trabalhos anteriores, entre eles Caro
Diário, de 95. Desta vez, num trabalho menos autocentrado, Moretti aborda de
forma dramática as reações vividas por uma tranqüila família de classe
média face à trágica morte do filho mais velho num acidente no mar
Adriático.
O personagem principal, Giovanni, é interpretado pelo próprio Moretti. Ele é um psicanalista que trabalha em Ancona, na região italiana do Marche, e convive no seu trabalho com os vários dramas de seus pacientes: o do homem que quer suicidar-se, o da mulher obsessiva, o do sexólatra, enfim, dores e neuroses de todos os tipos e tamanhos. Em casa, Giovanni é um homem feliz ao lado da mulher (Laura Morante), uma editora de livros, e dois filhos adolescentes. Um dia, Giovanni se vê de frente com sua própria tragédia, bem diferente daqueles problemas menores do seu cotidiano e se torna incapaz de controlar a crise que se instala em sua casa e desestrutura suas relações familiares. O psicanalista que ajudava aos outros entra em crise com a profissão e não consegue mais trabalhar. Embora seja um filme sobre a dor e a perda, a história é narrada com extrema simplicidade, sem a menor pretensão de ser um filme cabeça: em nenhum momento Moretti lança de mão de chavões melodramáticos para envolver o espectador. O clima é completado pela música sentimental do grande compositor italiano Nicola Piovani : seus temas encaixam-se perfeitamente na trama, como no caso de By This River, de Brian Eno. Já lançado na Itália, o filme vem tendo sucesso de público e ganhou o prêmio Donatello, uma espécie de Oscar italiano. Em Cannes, ganhou também o Prêmio da Crítica (Fipresci). Moretti conta que a realização de O Quarto do Filho era um projeto antigo, cujo roteiro tinha começado a ser escrito antes do Aprile (98) . "Não realizei naquela ocasião porque estava prestes a ser pai e não me sentia muito confortável para interpretar um personagem que perde o filho tragicamente", diz ele, acrescentando no entanto que sentia uma certa necessidade de levar para as telas o tema da dor pela perda de um ente querido. Outro ponto que o atraiu foi o desejo, também antigo, de viver um psicanalista: "acho que fazer um filme é, entre outras coisas, uma forma de terapia e uma grande experiência de vida", complementa. O diretor não concorda com a crença usual de que os momentos dolorosos contribuem para unir as pessoas : "meu objetivo foi mostrar as conseqüências psicológicas que podem advir após uma tragédia e como isso pode afetar o comportamento e as reações das pessoas", diz. Pela primeira vez Moretti preferiu não filmar em Roma e levou as locações para Ancona: "numa cidade grande como Roma seria impossível que todos soubessem, sentissem e participassem da dor do personagem; para que isso acontecesse era necessário que a trama se passasse numa comunidade menor ", explica ele, acrescentando que outro motivo da escolha foi que necessitava de uma locação à beira mar devido ao tipo de acidente do menino. "Além disso, já filmei Roma em todos os seus ângulos", brinca.